O CRISTO REINTERPRETADO: ESPÍRITAS, TEÓSOFOS E OCULTISTAS DO SÉCULO XIX.

 

Profa. Dra. Eliane Moura Silva.
UNICAMP/IFCH/Dep. de História

Durante o século XIX, no Ocidente, o conhecimento científico tornou-se o crivo obrigatório da sociedade. A este conhecimento aliou-se a razão, o progresso e o materialismo. Juntos refletiam o lado luminoso da sociedade. As certezas racionais afirmaram a instrução, o darwinismo social, a modernização e foram as bandeiras sob as quais abrigaram-se diferentes segmentos sociais. Este avanço do evangelho racional e científico teve, como contrapartida, um recuo das religiões tradicionais, pelo menos nos centros mais urbanizados e intelectualizados.

Para cientistas e intelectuais da segunda metade do século XIX, o materialismo apresentava para a Humanidade um futuro sem sobressaltos, num progresso contínuo e sem dramas. A razão humana tornava-se todo-poderosa, progressivamente “perfeita” e o conhecimento material ampliado conduzia a uma confiança absoluta na educação científica, numa espécie de otimismo messiânico, com o império da Liberdade, da Felicidade e da Riqueza.(1). O otimismo combinava com o positivismo e a crença numa evolução ilimitada. Aliava-se ao desenvolvimento do conhecimento científico, a redescoberta das culturas antigas, mitológicas e extra-ocidentais. A expansão colonial trouxe contatos com povos, épocas e culturas diferentes.

Da segunda metade do século XIX em diante, duas vozes dissonantes alimentaram uma polêmica recíproca: a causa da ciência e da natureza em nome de uma religiosidade exclusivamente secular. Contra esta extrema secularização levantaram-se os direitos irrevogáveis da consciência, da deficiência insanável da Razão e do poder sobre-humano do Sagrado e do Mistério.

A crise religiosa revelada desta época manifestou-se, freqüentemente, contra a oficialidade de todas as formas de tradição, de todas as figuras históricas e espiritualmente gastas, vazias, sem criatividade ou inventividade. Esta crise apontou a necessidade de uma religiosidade espiritualmente mais adequada, de novas utopias de salvação.

As novas criações religiosas desde o século XVIII e, sobretudo no XIX, são marcadas por uma concepção espiritualista de inspiração e interpretação das Escrituras, da recuperação de uma vida interior diretamente em contato com a divindade. Temos, inclusive, um campo propício para o estabelecimento de vínculos entre a mística espiritualista, o esoterismo e o racionalismo, num desejo de articular um tipo de exegese religiosa em bases contemporâneas com as aparências do método científico, apresentando novas mensagens cristãs. (2).

O pensamento naturalista seguiu o caminho das novas conquistas da Ciência e da Epistemologia, com o alargamento da doutrina do conhecimento sobre qualquer aspecto ou problema do Universo. Mas a forte recuperação da consciência religiosa, cristã ou não, instituiu uma polêmica sem paralelos.

Um novo e abundante discurso espiritual procurou integrar Ciência e Fé, Ocidente e Oriente, o Novo e o Antigo. De um lado, um neo-evangelismo que pregava um Cristianismo Universal nas bases da tolerância, fraternidade e paz. De outro lado, o retomar de um ideal humanista buscando reforço nas antigas doutrinas de uma Verdade Universal, na sabedoria de religiões extra-cristãs. Profetas modernos, esoteristas, espiritualistas científicos espalharam o gérmen de uma nova e ampla espiritualidade.(3).

O esoterismo tornou-se uma definição obrigatória para alguns movimentos religiosos do período. O termo “esoterismo” define uma doutrina segundo a qual uma ciência, um sistema de crenças filosófico-religiosas, reflexões epistemológicas e ontológicas da realidade última não devem ser vulgarizadas e nem divulgadas senão entre adeptos, conhecidos e eleitos. No século XIX a palavra “esoterismo” converteu-se frequentemente, em sinônimo de oculto, de ocultismo, sendo aplicado a campos de estudo e conhecimento como a magia, a mântica e a cabala. Estas definições abrangentes abarcam uma realidade histórica complexa e difusa. Crenças, teorias, técnicas místicas e iniciáticas que poderíamos classificar como esotéricas já eram populares na Antiguidade Tardia, não desaparecendo na Idade Média, tornando-se importantes na Renascença, atravessando os séculos XVII e XVIII para ganharem fôrça e expressão no século XIX. Uma definição ampla, sugere a existência de um campo específico e abrangente, com fronteiras comuns, debates e metodologias particulares. Porém, o termo aplica-se, de várias formas, a diferentes concepções religiosas. O “esoterista” é o pensador -cristão ou não- que desenvolve suas crenças, estudos e religiosidade sobre três pontos: analogia, teosofia e igreja interior. A analogia é a crença (ou como será percebido à partir do século do XVIII, uma lei) segundo a qual existem, entre seres e coisas, relações necessárias, intencionais que não são necessariamente, temporais ou espaciais: o análogo atua sôbre o análogo e desta forma explica-se a magia e o conhecimento que conduz ao “espírito das coisas”. Desta forma, no pensamento analógico, conhecer o Mundo é conhecer Deus, porque a Natureza representa uma revelação gradual. A Ciência adquire uma significação religiosa. A teosofia, que não tem o mesmo significado da Sociedade Teosófica fundada no século XIX, dá sentido a analogia e compreende tanto uma interpretação profunda de textos sagrados como a experiência mística pura. O pensamento teosófico insiste em determinados pontos dos dogmas sôbre os quais a religião constituida e institucionalizada tende a ignorar para, através desta exploração e indagação metódica chegar a iluminação interior. A mística especulativa confere a teosofia o poder de proporcionar o conhecimento e inspiração. A igreja interior, espiritual e individual, independente de religiões organizadas, coloca-se como a experiência mística por excelência. A Alma Humana tem origem divina e, portanto, pode acercar-se de Deus, onde reside esta mesma Alma. A União divina é imanente a natureza humana e graças a iniciações, conhecimentos sagrados e secretos, pode-se chegar a este reencontro divino. A iniciação implica em regeneração que depende de gnose. Esta igreja interior é a única verdadeira e eterna, ao contrário das Igrejas materiais, que serão sempre destruídas, sobrevivendo, exclusivamente, a igreja invisível e interior. Este sentido permanece entre as correntes esotéricas do século XIX surgindo formas de esoterismo cristão s sofrendo as influências pagãs e místicas do esoteristas dos séculos anteriores e que incluiam magia, alquimia, meditação, êxtases místicos, necromancia, cabala, numerologia, ordens secretas, etc. No começo deste século o orientalismo invadiu a Europa que descobriu os livros do Egito, da India e do remoto Oriente fornecendo um novo campo de construções e representações para os movimentos espirituais desta época. Foi o Oreinte romantizado que alimentou o orientalismo espiritualizado do período.(4).

O desconhecido, o incompreensível, o sobrenatural, tornaram-se populares. A voga do ocultismo, magnetismo, magia, espiritismo, esoterismo, espiritualismo, hipnotismo, homeopatia, de várias versões do misticismo e da religiosidade oriental, ganhou espaço na sociedade, inclusive nos meios científico, intelectual e artístico.

No fin de siécle o interesse e as influências desempenhadas pelo ocultismo é sentido pelo cético Anatole France. Em 1890, ele dirá na Revue Illustrée que “(...) um certo conhecimento das Ciências Ocultas tornou-se necessário para a compreensão de certas obras literárias do período. A magia ocupou um lugar importante na imaginação de nossos poetas e romancistas. O fascínio pelo invisível toma conta deles, a idéia do desconhecido os perseguiu, e o tempo voltou a Apuleio e Flegon de Trales”. (5).

Este interesse e curiosidade pelo oculto aliaram-se com uma forte tendência positivista e otimista, evolucionista e baseada na ética do trabalho da sociedade burguesa do período, formando, assim, a base de alguns importantes movimentos místicos e espiritualistas da segunda metade do século XIX em diante, sobretudo o Espiritismo de 1848 em diante, a Sociedade Teosófica fundada em novembro de 1875 e diferentes pensadores ocultistas desde a segunda metade deste período.

No caso do Espiritismo, tratava-se de um grande movimento espiritual, filosófico e científico centrado no contato regular e sistemático com os mortos, nas manifestações conscientes dos espíritos desencarnados e nos ensinamentos por eles transmitidos. Embora a prática de invocar os mortos, de tentar contactar os mortos seja um aspecto antigo de diferentes culturas e religiões, no Espiritismo moderno, estas questões adquirem um novo influxo, de acôrdo com os princípios da ciência positiva, da filosofia secularizada. Se por um lado a imortalidade da alma e a sua sobrevivência a morte física, possuia o perfil de um problema filosófico ou teológico passível de ser “equacionado” através de teorias e da interpretação de textos, por outro, era profunda e intensamente vivenciada pelas camadas não “eruditas” da população mesclando-se ao seu cotidiano, de agora em diante, com experiências que demonstrariam, cientificamente, a origem natural dos fenômenos ditos sobrenaturais. (6).

Novas imagens do Céu, do Inferno, das penas espirituais compunham uma nova expressão religiosa, acenavam com promessas de salvação e esperança, livres das condenações eternas pesadas nas consciências.(7).

As representações da sobrevivência espiritual dos mortos em formas etéreas, fluidas e diáfanas formavam imagens romantizadas. Expressavam uma particularidade da época na qual materialidade e fluidez podiam ser representadas e explicadas em associação com a luz, a energia elétrica e, mais tarde, as ondas de rádio recém- descobertas. Esta era a magia dos espetáculos da feérica Loiue Fuller, bailarina performática que encantava os teatros da Belle Epoque com seus espetáculos de dança, jogos de luz e sombra, que lhe conferiam uma aspecto mágico e sobrenatural.(8).

Na França organizou-se um movimento espírita muito importante e que exerceu importante influência inclusive no Brasil, ligado a figura de Allan Kardec.(9). O movimento espírita kardecista francês colocava-se como cristão. Suas bases de interpretação estavam nos conhecimentos fornecidos pelos espíritos. Era uma nova revelação das verdades cristãs, de uma nova interpretação do cristianismo, a terceira revelação da lei de Deus, onde os ensinamentos de Cristo seriam completados pela aliança com a Ciência que deixaria de ser exclusivamente materialista. Para esta aliança, o Espiritismo trazia o conhecimento das leis imutáveis que regiam o Universo espiritual e suas relações com o mundo material, os astros e a existência dos seres. Procurou desvendar os mistérios ocultos da grandes verdades do Cristianismo.

A figura de Cristo na doutrina espírita foi a do mestre, iniciador da mais pura moral evangélico-cristã, renovadora do mundo e de integração entre todos os homens, sem raça, cor, classe ou sexo. Era o consolador, pacificador, místico e espiritual cujos ensinamentos ocultavam-se nas parábolas: “ Assim o Espiritismo realiza o que Jesus disse do Consolador prometido: conhecimento das coisas, fazendo que o homem saiba donde vem, para onde vai e porque está na Terra; atrai para os verdadeiros princípios da lei de Deus e consola pela fé e esperança.” (10).

O Cristo espírita simbolizou a paciência, a bondade, a afabilidade, a doçura, a obediência aos desígnios do divino, o perdão, a caridade, o amor ao próximo, a virtude ativa na prática desapegada do bem. Foi o divino salvador, o justo por excelência, o mestre da evolução espiritual, o emissário de Deus para instruir os homens e revelar as coisas ocultas e os mistérios divinos. Cristo foi antecedido por Sócrates, Platão, Moisés, João Batista, os precursores da idéia cristã e do Espiritismo.

A natureza da divindade de Cristo foi reavaliada em confronto com o dogma da identidade Cristo-Deus. Milagres não qualificavam a divindade de Cristo: eram fenômenos naturais, de qualidade semelhante aos produzidos por médiuns, videntes, sonâmbulos e curadores através dos séculos e demonstrados, no século XIX, pelo Magnetismo e Espiritismo. Para os espíritas Cristo não era Deus e uma correta interpretação dos Evangelhos mostrava isto. Ele era um servidor de Deus mas Filho do Homem, pertencendo a Humanidade. Suas virtudes o encaminham para Deus: amor a divindade, ao próximo e a caridade como caminhos da Salvação.

O Espiritismo valorizou a figura do Cristo histórico, o representante das idéias fundamentais da Igreja primitiva e a parte moral de seus ensinamentos. Foi o Cristo exemplo, o Cristo interior, imagem de perfeição Humana: A interpretação da figura do Cristo pelos espíritas apoiava-se na tradição humanista, no contexto científico e histórico de sua época, evolucionista e positivista, apontando a graduação do conhecimento como elemento definitivo para a compreensão da progressividade da revelação divina: Moisés e os profetas, em seguida Jesus, em terceiro a verdade espírita, todas estas fases proféticas de acôrdo com o progressivo evoluir da Razão, do cultivo das faculdades espirituais, da capacidade de trabalho constante e dos avanços da Ciência. Jesus correspondeu ao mundo histórico, a maturidade espiritual de sua época, as condições de seu tempo.

Em 1885 surgiu em Avignon, na França, um livro psicografado por uma senhora de instrução rudimentar que passou a ser conhecido pelo título de Vida de Jesus: ditada por ele mesmo. Era uma obra mediúnica que contava uma história de vida de Cristo ditada pelo próprio para esclarecer aos cristãos sua verdadeira vida, princípios morais e experiências religiosas. Um Jesus-homem, com suas dúvidas e dramas romanceados, adquirindo perfeição espiritual depois de sofrimentos e estudos que incluiam a Cabala. Sua inspiração divina vem dos espíritos superiores que o ensinavam a máxima virtude e sabedoria, livre das instituições sacerdotais de sua época. Ao contrário, o Cristo-espírita foi instruido por médiuns que recebiam inspiração direta de Deus para transmitir aos homens, incluindo explicações acerca da reencarnação: “Deus manda a todos os mundos instrutores, mas a cada mundo lhe estão destinados como instrutores, espíritos do mesmo mundo. Os messias são instrutores avançados, cujos ensinamentos parecem utopias. Minha missão não podia impor uma regra de conduta em um século de ignorância, tendo que limitar-se a fazer nascer idéias de revolução nos espíritos e prepará-los para a renovação do estado social futuro.(...).)”. (11) A representação deste Jesus espírita fundamentou uma fé sob uma ótica científica, social, numa compreensão da natureza e da vida. Revelou uma visão histórica e otimista da evolução humana, do modo de ser no tempo e na sociedade, a condição espiritual de uma aliança entre Cristianismo e Ciência, uma confiança nos milagres científicos e tecnológicos característicos de sua época.

Este mesmo espírito otimista e positivista marcou o outro grande movimento religioso do renascimento ocultista da segunda metade do século XIX: A Sociedade Teosófica fundada em Nova Iorque, em novembro de 1875, por Helena Petrovna Blavatsky.(12) As doutrinas filosófico-religiosas da Teosofia apoiavam-se num conjunto teórico eclético e resultaram um movimento iniciático e parareligioso que influenciou as idéias de pensadores, cientistas, artistas e acadêmicos. Neste movimento, bastava ler a obra completa de Blavatsky, tornar-se membro de um grupo teosófico para ser, gradualmente, iniciado nos mistérios do Universo e da alma imortal transmigrante em círculos encarnatórios.

Para a Teosofia a figura de Cristo foi a de uma encarnação das virtudes divinas, de um iluminado, um adepto dos antigos Mistérios e iniciado na sabedoria oculta, assim como Pitágoras, Platão, Sócrates, Jâmblico. Jesus-homem, amigo de Deus, um personagem histórico que expôs suas doutrinas segundo os princípios de Hermes Trismegistos, Platão, Pitágoras, Amonio Saccas, Filaleteu e outros iniciados. O objetivo de sua ação e doutrina era o de restaurar a sabedoria dos antigos, reduzir as superstições e exterminar os erros das diferentes religiões.

O Cristo dos teósofos foi interpretado pelo seu caráter esotérico, secreto, característico do Cristianismo primitivo que teria um lado oculto. Cristo-ocultista, místico, iniciado e cujas pregações o aproximam de Buda, mas também lutando contra os males espirituais e sociais, porém um símbolo e exemplo da transformação interior: “A vinda de Cristo significa a presença de Christos num mundo regenerado e, de forma alguma, a verdadeira vinda em corpo de Jesus Cristo; este Cristo não deve ser buscado nem no deserto nem no interior da casa nem no santuário de qualquer templo ou igreja construídos por homens, porque Cristo - o verdadeiro Salvador esotérico não é nenhum homem, mas o Princípio Divino em cada ser humano”.(13).

Ao lado destes movimentos, encontramos também diversos pensadores ocultistas dos mais variados matizes. O Ocultismo neste período foi, básicamente, um campo de conhecimento, práticas, técnicas e procedimentos intencionais alcançados através dos poderes secretos e desconhecidos da Natureza e do Cosmo para se chegar a resultados empíricos como, por exemplo, a sucesssão dos acontecimentos ou a alteração do curso normal.

Na verdade, costuma-se ligar o surto neo-ocultista do século XIX a figura do seminarista francês Alphonse Louis Constant, conhecido pelo pseudônimo de Eliphas Levi. Fortemente influenciado pelo renascido movimento rosacruz europeu do século XIX, pela maçonaria mística, pelos estudos da Cabala, por Jacob Böhme, Emanuel Swedenborg e vários místicos e visionários do século XVIII, Eliphas Levi foi o precursor do surto ocultista do século XIX. (14).

Sob a perspectiva de Levi, Jesus simbolizava Deus unido a Humanidade, a divindade humana. Era o Rei dos Magos, um representante da Alta Magia antiga. Sua história e existência revelavam ser ele um grande místico e iniciado na sabedoria secreta ancestral. Para Levi, o Cristianismo do Cristo foi esotérico e mágico e assim poderiam ser explicados os milagres e sentido oculto de seus ensinamentos, das evocações e da própria ressurreição. Na perspectiva ocultista o que importava era a Doutrina Secreta de Cristo: “ A doutrina secreta de Jesus era esta: Deus tinha sido considerado um Senhor e o príncipe deste mundo era o mal; eu que sou o Filho de Deus, vos digo: não procuremos Deus no espaço, ele está nas nossas consciências e nos nossos corações. Meu pai e eu somos um e quero que vós e eu sejamos um. Amamo-nos uns aos outros como irmãos. Não tenhamos mais que um coração e uma alma. A lei religiosa é feita para o homem e não o homem para a lei. (...).

Eu sou vós e vós sois eu, no espírito da caridade que é o nosso e que é Deus. Crêde isto e fareis milagres.” (15).

Mas também foi uma vítima da liberdade, um messias que se revoltou contra a desigualdade, contra o egoísmo e a injustiça pregando um fim para as velhas sociedades injustas e hipócritas. O verdadeiro Cristo consolava os sofredores, amparava os orfãos, não separava pobres e ricos, não julgava nem condenava seus irmãos, ao contrário daquilo que a Igreja havia feito durante séculos. O segredo da Vida Eterna de Cristo era ter vivido para os outros e pelos outros: esta era a fonte da eterna juventude simbolizando a força do Homem-Deus que regenerava a Humanidade através do amor absoluto.

Dentro desta tradição ocultista e do esoterismo cristão do século podemos destacar também Stanislas de Guaita. (16). Nele a figura de Cristo alcançou um sentido místico e divino absoluto. Para Guaita, de acôrdo com a tradição cabalista, a lenta e progressiva descida do Espírito na Matéria passou pela divinização de Adão-Kadmon, cuja alma coletiva foi Jesus Cristo. Cristo era, portanto, Espírito Divino, a Absoluta Bondade e Verdade, um representante da Alta Magia herdada dos caldeus através de Abraão, reformada por Moisés e divinizada por Cristo. Assim o Cristianismo oculto e secreto, a verdadeira Igreja do Cristo, procurava desenvolver a positividade do homem tornando-o um Ser de Vontade: “Creio na imortalidade da Igreja do Cristo, pois Cristo realizou hierarquicamente o Grande Arcano sobre a Terra e divinizou-se pelo seu espírito até no ventre de sua mãe. Nasceu de Deus porque era fatalmente destinado a realizar o todo divino em si.” (17).

Em Guaita prevaleceu o significado oculto do Cristo Glorioso, o símbolo da Divina Magia. Cristo era o Fogo regenerador, veículo de vida e reintegração, a divindade manifestada em Verbo, a união do Espírito e da Alma universais, aquele que veio resgatar o homem do fundo da Criação para passa para um novo mundo de Deus. Todas estas interpretações eram marcadas por uma forte carga mística, explorando e sentido esotérico das alegorias: “ Pois, o Adão decaído ou Cristo doloroso, síntese mística da Igreja Militante, geme, aprisionado no Universo-Substância que elabora, após ter passado o ato; o Adão-Celeste ou Cristo Glorioso, síntese da Igreja triunfante, preenche sempre com sua glória o Universo-Essência, que é sua Obra.” (18).

O Cristo em missão divina para resgatar as verdades eternas, dando-lhes uma roupagem nova, mais coerente com a alma mística do mundo rejuvenescido: foi assim que Guaita viu o Cristo.

Os movimentos espírita, teosófico e ocultista não foram os mesmos, porém tiveram vários elementos comuns: Todos revelavam uma profunda insatisfação com o Cristianismo institucional nas suas mais variadas vertentes. A síncope histórica do Cristianismo no período aqui apresentado produziu um grande vazio entre os intelectuais e classes médias da época. Este vazio foi sendo preenchido por estes movimentos religiosos, anti-clericais e de livre-pensadores, assim como pelo desenvolvimento de teorias políticas e sociais libertárias. Assim, alguns tentaram chegar à fonte da matéria prima da Criação, da verdadeira natureza de Deus, dos sentidos ocultos da natureza e do Cosmos, enquanto outros buscavam Mestres invisíveis, comunicação com espíritos.

Em suma, a busca das Origens, marca de diversas vertentes do conhecimento intelectual da segunda metade do século XIX, inclusive na História, na linguística, na arte e na emergente psicanálise. A procura das origens puras da religião articulou-se com a procura das origens das instituições e criações culturais humanas, num prolongamento da Origem das Espécies, da origem da vida, da terra e do Universo, numa nostalgia pelo primordial e original.(19).

O interesse pelo oculto, pelo sobrenatural, pela transformação espiritual dos indivíduos e da sociedade, as tentativas de organizar movimentos parareligiosos que respondessem a perguntas existenciais profundas e ocupassem o vazio deixado pela crise das religiões tradicionais foi uma das marcas da história intelectual deste período.

Todos estes movimentos marcaram o pensamento de sua época. Solaparam certezas políticas, científicas e religiosas, metáforas ideológicas e o imperialismo. Tentaram oferecer alternativas ao liberalismo e à crise social. A idéia geral de que o materialismo, a razão e a ciência reinaram soberanos neste período da História deve ser repensada à luz destes movimentos.

 

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